Publicado em 04 outubro de 2017 às 17:05

O Conselho Regional de Psicologia da Bahia, CRP-03, vem a público repudiar não só a problemática substituição do nome das “Varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher” para “Varas de Justiça pela Paz em Casa”, denominação proposta pela desembargadora Nágila Maria Sales Brito, responsável pela Coordenadoria da Mulher do TJBA, mas também a implantação da justiça restaurativa nos procedimentos que envolvem a grave e preocupante situação de violência contra a mulher no contexto doméstico e familiar, por considerar tal medida grande retrocesso na garantia dos direitos humanos das mulheres.
Primeiramente, cumpre ressaltar que a Lei nº 11340/06, apelidada de Lei Maria da Penha, foi uma conquista das aguerridas lutas dos movimentos feministas e de mulheres no Brasil contra a histórica anuência do Estado na subalternização das mulheres, sobretudo na esfera do lar. Face à negligente morosidade da justiça brasileira na promoção e proteção dos direitos das mulheres, a emblemática denúncia aos organismos internacionais formulada por Maria Fernandes da Penha, vítima de tentativas de homicídio praticadas pelo seu ex-marido, forçou o Estado brasileiro a cumprir com os tratados e convenções dos quais é signatário, o que repercutiu na promulgação da supramencionada Lei.
Se antes a mácula da violência contra a mulher era banalizada nos procedimentos instaurados nos Juizados Especiais Criminais, cuja repercussão se restringia à prestação pecuniária ou pagamentos de cestas básicas, a Lei Maria da Penha surgiu como política de ação afirmativa para, além de proteger a mulher em situação de violência por meio das medidas protetivas, não deixar impune esse bárbaro crime que degrada a saúde física e psicológica das mulheres; mais que isso, essa violência repercute na saúde mental de toda a família, inclusive das/os filhas/os, vítimas indiretas dessa violência, a quem o Estado também tem o compromisso de zelar e proteger. A mulher em situação de violência doméstica e familiar deve ser resguardada nos âmbitos da segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, de modo a preservar sua integridade física e psicológica. Isso não implica na “paz em casa”, sobretudo porque tal entendimento conduz à revitimização não só por perpetuar a violência a qual mulheres são submetidas no contexto familiar e doméstico, mas também por acirrar o descrédito do poder judiciário quanto ao seu dever em proteger as mulheres, quando se omite a responder, de forma contundente, a essa grave violação de direitos humanos. Contrariamente à recondução da mulher ao contexto de violência, ressaltamos a importância da assunção da autonomia, independência e empoderamento da mulher, que precisará desvincular-se do parceiro-agressor, pois este se configura como o maior perpetuador da violência, para proteger a si e a suas/seus filhos/as e, portanto, toda a família.
O Estado da Bahia possui atualmente sete Varas onde tramitam processos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Além da mudança de nomenclatura invisibilizar a situação de violência que não deve ser ocultada justamente por não se tratar de uma questão privada, uma vez que degrada toda a sociedade, a implantação da justiça restaurativa nos casos que envolvem a violência cíclica – como é o caso da violência contra a mulher – também reproduzirá a tradicional lógica de que a mulher deve retornar ao lar para se sujeitar à violência; assim, perpetuar-se-á a violência sob a égide de um modelo patriarcal, machista, sexista e misógino que tem subalternizado muitas mulheres em relações desiguais, questão que dilacera seus direitos humanos.
Diante das graves repercussões dessa violência, acirrada por uma lógica estrutural hierarquizada, não se pode retroceder à sua banalização sob o risco de colocar em vulnerabilidade as mulheres em situação de violência que esperam uma resposta efetiva do Estado. Estamos certas/os de contarmos com o compromisso e dever do Poder Judiciário no reconhecimento do direito da mulher a uma vida livre de violências. À vista disso, estimamos que este respeitável órgão reveja seu posicionamento e de fato crie mecanismos não para perpetuar a lógica de degradação da cidadania da mulher, mas renuncie ao legado de compactação da sua sujeição, ao trilhar uma nova história de promoção, garantia e reconhecimento das mulheres como sujeitos de direitos humanos.
Não queremos paz com o parceiro-agressor; queremos justiça, dignidade e todos os direitos preservados às mulheres. Por isso pautamos a importância de fazer valer os fundamentos da Lei Maria da Penha ao dar visibilidade à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher também na nomenclatura das Varas como um ato político irrenunciável.
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