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Coordenador do GTPRR fala sobre efeitos do racismo na infância no CORREIO

Publicado em 06 fevereiro de 2020 às 17:26

Coordenador do GTPRR fala sobre efeitos do racismo na infância no CORREIO

O coordenador do Grupo de Trabalho Psicologia e Relações Raciais do Conselho Regional de Psicologia da Bahia (CRP-03), Valter da Mata Filho, foi entrevistado pelo CORREIO sobre os efeitos do racismo na infância.

Na semana passada, duas crianças enfrentaram uma situação de racismo no metrô de Salvador ao serem chamadas por um segurança de “bucha 1 e bucha 2”. A expressão fazia referência aos cabelos das gêmeas Verena e Valentina.

Confira a entrevista abaixo: 

De que forma o racismo vivido na infância pode mudar a relação da criança com o corpo, com a autoestima?

Pense que o racismo é uma ideologia que hierarquiza os grupos humanos a partir da noção de raça. A criança é um ser altamente indefeso e dessa forma não possui desenvolvimento cognitivo para entender esse tipo de ideologia. A tendência dessa criança é experimentar e compreender o mundo com o código vigente na sociedade. Dessa forma todas as expressividades de valores aprendidas pelas crianças, deverão ser as mesmas difundidas pela sociedade. Num país que valoriza a cultura europeia, assim como o padrão de beleza e normalidade, a criança negra passa a se sentir deslocada, não existe representações positivas de pessoas com a sua estética, seu corpo, ao contrário, as representações são negativas e subalternas. A saída é reivindicar um ideal de ego branco para si (quando isso é possível, quando são mais claras) ou resignar-se a esse local de inferioridade, acarretando aí a baixa autoestima. Ela se avalia enquanto sujeito e não gosta do que vê.

Qual a importância de se manter um acompanhamento psicológico diante de episódios como o vivido pelas duas crianças no metrô?

O que as crianças sofreram foi discriminação racial, é um crime. A discriminação racial é um comportamento manifesto geralmente cometido por alguém preconceituoso. Essa discriminação pode ter um efeito traumático, porque normalmente ocasiona uma grande humilhação. Os efeitos dessa humilhação terão danos diferentes em indivíduos diferentes, pois depende de uma série de fatores situacionais que estão sujeitos. Posso elencar o suporte social, principalmente da família, como os valores e crenças parentais são passados a essas crianças, seu desempenho nos diversos cenários a que estão submetidos. Um trauma pode comprometer o desenvolvimento cognitivo de uma criança e ter repercussão em diversos componentes subjetivos como o desempenho escolar e a socialização.

Que comportamentos podem decorrer de episódios como esse?

Primeiro é não querer passar mais pela dor que passou. A dor ensina e condiciona determinados comportamentos. Ela pode querer fazer de tudo para se afastar dos marcadores que fizeram com que elas fosses discriminadas. No caso do metrô, foi o cabelo. Então elas poderão pedir para seus pais que normatizem seus cabelos, através de processos estéticos geralmente invasivos como o alisamento. A autoestima é atingida diretamente pois a criança passa a ter noção que sua imagem é negativa, é tida como exótica e não como bonita. A autoimagem é importante para a construção de uma identidade positivamente afirmada.

De que forma as pessoas que convivem com as vítimas podem contribuir para diminuir um trauma?

As pessoas próximas tem um papel crucial na vida dessas crianças. Não podem legitimar as agressões que elas sofreram através da domesticação de corpos e mentes. Uma criança que cresce achando que há alguma coisa errada do ponto de vista estético (seu cabelo, sua cor,seu nariz, etc), pode desenvolver um complexo de inferioridade que vai influenciar sua autoconfiança. Os adultos precisam mostrar que existem outras possibilidades de ser e estar no mundo. Que existem outras estéticas, outras formas que não as que foram convencionalizadas enquanto “certas”. 

O caso das meninas no metrô foi explícito, mas há outras formas mais ‘sutis’, se pode dizer assim, de minar a autoestima de crianças negras, como a comparação com colegas, amigos, pessoas que convivem. Como lidar com isso?

O brasileiro é um ser esquisito. Tem vergonha de dizer que tem preconceito, mas não tem vergonha de se comportar como se o tivesse. O racismo se esconde em muitas práticas cotidianas. Exclusões de círculo de amizade, exclusão para determinados cargos institucionais, preferências afetivas, sem falar do racismo recreativo que é aquele no qual o indivíduo racista, classifica seu comportamento como se fosse uma brincadeira. Geralmente os encontramos nos apelidos pejorativos e piadas de péssimo gosto. É preciso enfrentar essas pessoas, causar mal estar mesmo, não achar que esse tipo de comportamento possa ser aceito. Constranger os racistas é mais que necessário.

E como tratar dessas questões com as pessoas quem impõem esse racismo?

Racismo é crime e assim deve ser tratado. A naturalização por parte da sociedade prejudica a percepção do mesmo, assim como seu potencial de dano. Ouvimos muitos humoristas afirmando que o mundo está chato demais, porque não se pode fazer piadas com grupos subalternizados. Mas essa é a ideologia corrente: as pessoas querem licença para discriminar.

Veja o link aqui.

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