Publicado em 09 abril de 2018 às 21:22
É com grande pesar e desejo de luta que temos assistido, ao longo dos últimos dois anos, a um absoluto e irremediável aviltamento dos aparatos público-governamentais no Brasil. Um aviltamento que não se dá desvinculado de um grande projeto, cujo propósito é, acima de tudo, assegurar o poder e a soberania econômica nas mãos de um determinado setor social, em detrimento a todos os outros setores sociais, aos quais resta relegada uma existência que se pressuponha não desafiadora aos modos hegemônicos que seguem se interpondo sobre todas e todos nós. Um aviltamento resultante também de um profundo golpe à democracia brasileira, que está a serviço não só de setores reacionários internos, mas também do capital transnacional, dos imperialistas e dos neoliberais, cuja sanha sobre nossos bens naturais também se faz ver.
Assistimos também, ao longo dos últimos nove meses, este mesmo processo revelar-se bem demarcado a partir de diversas experiências, que vão desde o brutal assassinato da vereadora carioca, Marielle Franco, até o julgamento absurdamente inconstitucional do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a recente e covarde agressão à deputada estadual sul-rio-grandense, Manuela D’Ávila. Ambos os casos revelam que nós, trabalhadoras e trabalhadores, temos sido alvos deste grande projeto, sendo que, para a garantia do seu sucesso, nossas vidas têm se configurado como elementos descartáveis, seja pela via de sua eliminação direta, seja pela via de seu aprisionamento, seja pela via do sequestro de nossas subjetividades e da produção de conflitos do povo para com o próprio povo, fragmentando a possibilidade de uma luta coesa e unida contra estes dispositivos de morte utilizados contra nós.
O fato é que, diante destes ocorridos, não nos é possível pensar em uma Psicologia que não se posicione. Não nos é possível aceitar, frente ao saber-fazer que construímos diariamente, que Políticas Públicas sejam deliberadamente atacadas e que Direitos Humanos sejam reiteradamente questionados. Não nos é possível calar diante do tácito reconhecimento de que mulheres e homens têm adoecido, em diferentes ordens, frente à instabilidade da vida pública e política neste país. Não nos é possível silenciar enquanto observamos que as leis e a nossa Constituição Federal de 1988, construída em pleno sentimento de redemocratização e de superação de um regime ditatorial, estão sendo atacadas e violadas, em um retorno a um sentimento anterior, que é o da insegurança, do medo, da desconfiança e da injustiça, todos estes característicos de um momento histórico que parece querer repetir-se no Brasil.
Ignácio Martín-Baró, psicólogo social pioneiro nos estudos da Psicologia da Libertação, nos diz que, em tempos em que se atacam os direitos sociais e se matam populações inteiras em defesa de privilégios, é preciso provocar na Psicologia um posicionamento. Posicionamento este, inclusive, inevitável, haja posto que o silêncio o seja, sem dúvidas, também um posicionamento. Assim ele nos diz: “[…] a opção reside entre aceitar, ou não, acompanhar as maiorias pobres e oprimidas em sua luta por constituir-se como povo novo em uma terra nova. Não se trata de abandonar a psicologia; trata-se de colocar o saber psicológico a serviço da construção de uma sociedade em que o bem estar dos menos não se faça sobre o mal estar dos mais, em que a realização de alguns não requeira a negação dos outros, em que o interesse de poucos não exija a desumanização de todos” (MARTÍN-BARÓ, 1996, p. 23).
Logo, este manifesto não se trata de um posicionamento em defesa de Lula, de Dilma, de Marielle Franco, de Manuela D’Ávila, do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ou do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Trata-se, deveras, de um posicionamento em defesa da Democracia, da liberdade e da justiça, em tempos onde estes elementos nos são tomados de maneira brutal, sorrateira e irreparável. Produz-se um discurso de ódio que, muito mais, nos quer ver apartados, desagregados, desorganizados e reproduzindo violências que muito mais interessam a quem, por variados caminhos, apenas deseja sustentar os seus lugares de privilégio e poder.
Assim, acusamos que o atual Estado de Exceção que vigora no Brasil é ilegítimo, imoral, inconstitucional, violentador e adoecedor. Acusamos que a morte, a agressão e o aprisionamento de lideranças dos movimentos sociais é a prova disso, como elemento componente da grande máquina que nos quer engolir, que nos quer dilacerar. Que nos quer, como psicólogas e psicólogos, distantes do povo. Que nos quer, como psicólogas e psicólogos, isoladas e isolados nas ilhas de um saber-fazer descontextualizado do mundo e de suas tensões, e dos adoecimentos decorrentes destas tensões, e das mortes decorrentes destes adoecimentos. E a esta máquina, e a estes que aí estão a quererem nos subjugar, a estes nós dizemos: não! Não silenciaremos! Não aceitaremos! Não tomaremos o lado, como outrora o fizemos, de quem detém o poder e quer apenas mantê-lo, a qualquer custo! Somos povo e, com o povo, lutaremos!
Outra prova disto que agora apontamos se dá pela recente divulgação do evento atualmente em organização pela Federação Brasileira de Planos de Saúde (FEBRAPLAN), cujo objetivo é debater a construção de um suposto “Novo” Sistema Nacional de Saúde, sem a presença dos órgãos de Controle Social e Participação Popular, que, em verdade, e bem o sabemos, trata-se do velho projeto de privatização dos dispositivos públicos e de fatiamento dos mesmos para serem entregues à iniciativa privada, enriquecendo os mesmos setores sociais que, há anos, lucram com a produção de adoecimentos variados e a venda de “projetos de cura” que são, deveras, expressões bem ajustadas do sistema capitalista vigente. Notamos e apontamos que, em diversas instâncias, setores reacionários têm se aproveitado da crise política e do clima de instabilidade no país para avançar com seus projetos e propostas de total retrocesso e de total vilipêndio aos direitos sociais conquistados, a duras penas, para as camadas sociais mais pobres, negras e oprimidas desse país.
Enquanto Conselho Regional de Psicologia da Bahia (CRP03), somos um dispositivo público das psicólogas e psicólogos baianas e baianos, mas a serviço da sociedade, fiel ao povo brasileiro e respeitoso dos princípios constitucionais da Legalidade, da Isonomia, da Ampla Defesa, do Contraditório e, sobretudo, da Liberdade. Liberdade esta que nos é extremamente cara, pois sabemos e não nos esqueceremos de quão custoso foi chegarmos até aqui, e quantas e quantos de nós morreram na construção do sonho de um país integro, forte e efetivamente comprometido com as camadas oprimidas. Desta liberdade não abrimos mão, e é por acreditarmos nela que hoje apontamos para a grande afronta ao povo brasileiro que se dá por todos os processos acima descritos, com destaque ao aprisionamento essencialmente inconstitucional e político do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. E se a liberdade se trata de uma “luta constante”, como nos diz a filósofa negra Angela Davis, por ela lutaremos, até que todas e todos nós sejamos, realmente, livres. Avante!
Bahia, 09 de Abril de 2018
XV PLENÁRIO DO CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA BAHIA (CRP03)
GESTÃO “PSICOLOGIAS EM MOVIMENTO” (2016-2019)
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